CONTEXTO HISTÓRICO REGIONAL

História regional

As raízes da Guerra do Paraguai, que remontam a uma história de rivalidades e malquerenças entre Brasil e Paraguai que se estendia por mais de três séculos, principalmente relacionadas à questão de limites que Portugal e Espanha não conseguiram resolver. O abandono da região sudoeste do Mato Grosso após a destruição do Forte de Iguatemi agravou a situação. Em 1864, o governo paraguaio aprisionou o Vapor Marques de Olinda, levando ao rompimento das relações com o Brasil e à invasão do Mato Grosso pelo Paraguai. Seis meses depois, foi assinado o Tratado da Tríplice Aliança, pelo qual Brasil, Argentina e Uruguai uniram-se contra o Paraguai. A guerra durou quase seis anos e terminou com a morte de Solano Lopes. O Tratado de Paz e Amizade Perpétua e de Limites entre Brasil e Paraguai só foi assinado em 1872. (SOBRINHO, 2009).

Durante o período em que o Tratado de Madrid estava em vigor, as comissões de limites não conseguiram chegar a um acordo sobre a localização do Rio Igurei, que deveria fixar a fronteira entre Paraguai e Brasil. Felix de Azara, Chefe da Comissão Demarcadora da fronteira estabelecida pelo Tratado de Santo Ildefonso, sugeriu que o verdadeiro nome do rio Ivinhema seria Yaguarey, nome de origem guarani de onde foram retiradas as duas vogais “a”, ficando Igurey. Isso gerou divergências entre a subcomissão portuguesa e a hipótese foi rebatida com forte argumentação pelo governador da Capitania que integrava a subcomissão portuguesa. (SOBRINHO, 2009).

Os desacordos entre as comissões de limites tornaram a tarefa de demarcação difícil e sem sucesso. Após a Guerra do Paraguai, foi criada a Comissão Mista de Limites Brasil/Paraguai para traçar a linha de fronteira entre os dois países, e o Brasil cedeu ao Paraguai a parte onde o Rio Igurei era ponto de referência, do lado direito do Rio Paraná, passando a ser esse ponto o Salto Grande do Sete Quedas. Os trabalhos de demarcação foram iniciados em 1872, e a equipe do Brasil foi coordenada pelo Visconde de Maracajú. (SOBRINHO, 2009).

Uma comparação entre os tratados de 1750 a 1872 não indica que a região onde se localiza Amambai tenha alguma vez pertencido ao Paraguai. Desde o Tratado de Madrid, Amambai pertencia aos domínios portugueses e brasileiros. (SOBRINHO, 2009).

Thomaz Larangeira foi responsável pelo abastecimento de alimentos para os trabalhadores da Comissão de Limites, o que o levou a percorrer uma vasta área nas bacias dos rios Amambai e Iguatemi, onde descobriu grandes ervais nativos. Após o término dos trabalhos da Comissão, ele permaneceu na região e iniciou a extração de erva-mate em pequena escala, utilizando os caminhos abertos pelos trabalhadores da Comissão. Com o sucesso do negócio, Larangeira buscou autorização do governo para continuar, e em 1879 apresentou uma proposta de arrendamento das terras onde se localizavam os ervais, que foi favoravelmente recebida pelo então Governador da Província, Rufino Galvão, com quem trabalhou na Comissão de Limites (SOBRINHO, 2009).

Em 09 de dezembro de 1882 com o Decreto no 8799 o Governo Imperial autoriza Laranjeira a colher erva-mate na Província de Mato Grosso, pelo prazo de 10 anos. (SOBRINHO, 2009).

Thomaz Larangeira obteve autorização para explorar os ervais da região de Mato Grosso em 1880 e, em 1883, criou o primeiro arranchamento em Rio Verde. Com o sucesso da atividade ervateira, Larangeira prorrogou o prazo do arrendamento e aumentou a área de concessão. Ele também organizou a Companhia Matte Laranjeira em 1891 para conduzir os negócios da erva-mate como pessoa jurídica.

A concorrência pública para o arrendamento dos ervais entre o Rio Iguatemi e o Paraná foi vencida pelo Banco Rio Mato Grosso em 1893, e a área foi transferida para a Companhia Matte Laranjeira. A Companhia passou por uma transformação em 1902 e transferiu o controle acionário ao capital estrangeiro com a constituição da Sociedade “Larangeira Mendes & Cia”. O povoamento da região foi formado por indígenas, paraguaios e sul-rio-grandenses que vieram para trabalhar nos ervais e pensar na agricultura e na posse da terra. (SOBRINHO, 2009).

 

História de Paranhos

De acordo com estimativas recentes, a cidade de Paranhos possui uma população de aproximadamente 20.000 habitantes, configurando-se como um centro urbano de porte médio, com uma predominância de população rural. (IBGE, 2010).

A economia de Paranhos é essencialmente baseada na agricultura e na pecuária. A renda da população está fortemente vinculada às atividades agropecuárias, incluindo o cultivo de grãos, a produção leiteira e a criação de gado. Além disso, há também trabalhadores que atuam no comércio local e em uma variedade de serviços. (IBGE, 2010).

A agricultura desempenha um papel significativo na economia de Paranhos, destacando-se a produção de culturas como soja, milho, mandioca e feijão. A pecuária bovina também possui uma presença importante na região, com a criação de gado para corte e leite. A cidade conta com cooperativas agrícolas e agroindústrias que contribuem para o desenvolvimento econômico local. (PREFEITURA DE PARANHOS, 2023).

Paranhos é uma cidade com uma rica diversidade cultural, influenciada principalmente pela presença de diferentes grupos étnicos e pela herança indígena. A cultura indígena tem uma representatividade marcante na região, com destaque para a etnia Guarani-Kaiowá. Festas tradicionais, como o Toré (ritual indígena) e a Festa do Peão de Boiadeiro, fazem parte do calendário cultural da cidade, enriquecendo a vida dos seus habitantes. (BARBIERO, 2018).

A cidade de Paranhos, localizada no estado do Mato Grosso do Sul, tem uma história marcada pela ocupação indígena e pelo processo de colonização na região (BARBIERO, 2018). Antes da chegada dos colonizadores europeus, a região onde hoje está Paranhos era habitada por diversas etnias indígenas, com destaque para os Guarani-Kaiowá. Os indígenas ocupavam e utilizavam o território de maneira sustentável, estabelecendo suas aldeias e vivendo em harmonia com a natureza. (BARBIERO, 2018).

Com a expansão das fronteiras do Brasil durante o período colonial, a região passou a ser alvo de interesse dos colonizadores. A partir do século XIX, a presença dos brancos na área se intensificou, com a chegada de exploradores, bandeirantes e fazendeiros em busca de terras férteis e recursos naturais. (BARBIERO, 2018).

A colonização efetiva da região onde se encontra Paranhos ocorreu no início do século XX, com a instalação de fazendas e a abertura de estradas de acesso. A área foi oficialmente elevada a distrito em 1921, pertencendo ao município de Ponta Porã. (BARBIERO, 2018).

No entanto, o município de Paranhos foi criado somente em 1980, desmembrando-se de Ponta Porã. O nome “Paranhos” é uma homenagem ao político brasileiro José Maria da Silva Paranhos Júnior, mais conhecido como Barão do Rio Branco, que foi uma importante figura na diplomacia brasileira e teve participação decisiva na definição das fronteiras do Brasil. (BARBIERO,2018).

Ao longo de sua história, Paranhos enfrentou desafios como conflitos territoriais, disputas pela posse de terras e questões relacionadas aos direitos indígenas. A cidade preserva até hoje uma forte influência da cultura indígena, com a presença e participação ativa das comunidades Guarani-Kaiowá em suas tradições e festividades. (BARBIERO ,2018).

Atualmente, Paranhos se destaca como um município agrícola e pecuarista, com uma economia baseada principalmente na agricultura de grãos, na produção de leite e na criação de gado. A cidade busca conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e a valorização da cultura local, promovendo a inclusão e o respeito aos direitos dos povos indígenas.

Outros acontecimentos históricos

Guerra do Paraguai

A Guerra do Paraguai foi um conflito armado ocorrido entre 1864 e 1870, envolvendo o Paraguai e uma aliança formada pelo Brasil, Argentina e Uruguai. Essa guerra é considerada um dos maiores e mais sangrentos conflitos da história da América Latina e não está correlacionada com o Forte Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi (Fig. 22), seja no período da história, ou na localização geográfica do conflito (Fig. 21).

A guerra teve início quando o presidente paraguaio Francisco Solano López, motivado por ambições territoriais e conflitos diplomáticos, decidiu invadir o Brasil. As hostilidades se estenderam rapidamente, e o Paraguai acabou lutando contra os três países vizinhos. O conflito foi marcado por intensos combates e um alto custo humano. O Paraguai, com um exército mal equipado e com recursos limitados, enfrentou uma luta desigual contra as forças militares da aliança. O país sofreu graves perdas humanas e de infraestrutura.

As batalhas mais notáveis da guerra incluem a Batalha de Tuiuti, a Batalha de Curupaiti e a Batalha de Cerro Corá. Esses confrontos testemunharam estratégias militares avançadas e um grande número de baixas de ambos os lados. A guerra teve consequências profundas para todos os países envolvidos. O Paraguai, em particular, sofreu enormes perdas populacionais, com estimativas de que a maioria da população masculina adulta tenha sido morta durante o conflito. Além disso, o país enfrentou uma devastação econômica e social que levou décadas para ser superada.

O Brasil, por sua vez, consolidou sua posição como potência regional e ampliou seu território ao conquistar áreas do Paraguai. A Argentina também obteve ganhos territoriais e o Uruguai viu seu território preservado. A Guerra do Paraguai teve impactos duradouros na história e na identidade dos países envolvidos. No Paraguai, o conflito é lembrado como uma tragédia nacional, e suas consequências moldaram o curso do desenvolvimento do país. Nos outros países, a guerra foi um elemento importante na consolidação de suas identidades nacionais e na redefinição das relações regionais.

A Guerra do Paraguai deixou um legado complexo e é um tema de estudo e reflexão até os dias de hoje. Ela revela as dinâmicas e desafios enfrentados pelos países sul-americanos na busca por poder, território e identidade ao longo do século XIX.

Madame Lassare

O conflito devastador da Guerra do Paraguai arrasou a vida de inúmeras pessoas, dentre as quais se encontravam inúmeros paraguaios, que inicialmente se apegaram a uma falsa sensação de segurança sob a liderança do presidente Solano López. Em meio ao caos e à brutalidade da guerra, a verdadeira natureza do regime de López se tornou evidente, resultando em mortes cruéis de milhares de homens e deixando um rastro de viúvas e órfãos, incluindo a de muitos estrangeiros que ali viviam. Dorothéa Duprat de Lassare, mais conhecida como madame Lassare, foi uma das testemunhas dessa tragédia.

Madame Lassare era francesa e foi compelida ao exílio como ato de vingança de Solano López pela suposta traição de seu pai, marido e irmão. Após ser resgatada por tropas brasileiras, escreveu relatos dos ocorridos e dos sofrimentos passados por ela e outras mulheres durante a marcha. Suas memórias oferecem um relato comovente de sobrevivência e resiliência.

No início da guerra, muitos homens e mulheres se recusaram a deixar seus lares, levados pela falsa esperança de que o ditador Solano López não mataria seu próprio povo. Entretanto, em meio à desordem instaurada, a realidade se mostrou ser bem diferente.

Além dos milhares de homens mortos de maneira cruel por López, foi criada a Comissão de Inquérito, equipe responsável pelas perseguições e assassinatos a membros da burguesia, ministros, generais e outros indivíduos acusados de traição ao governo, incluindo os estrangeiros residentes no Paraguai. O cônsul francês Laurent Cochelet desempenhou um papel crucial na proteção dos estrangeiros, mas o sofrimento de Madame Lassare teve início após sua partida de seu lar.

Ela foi forçada a abandonar sua casa em apenas 48 horas e se refugiar na vila de Limpio juntamente com sua família. No fatídico dia 6 de julho de 1868, seu marido, D. Francisco Lassare, foi brutalmente levado pela polícia da ditadura sob acusação de traição. Dias depois, seu pai e irmão caçula tiveram o mesmo destino cruel, deixando Madame Lassare e sua mãe desamparadas. Embora o cônsul tenha oferecido apoio, Madame Lassare foi enganada por ele, que constantemente afirmava que seus entes queridos estavam vivos e sendo bem tratados, para que ela continuasse a enviar encomendas de roupas e comidas aos presos de sua família. No entanto, mensageiros enviados ao exército confirmaram que eles haviam sido assassinados.

No período de evacuação de Assunção, nos dois últimos anos da Guerra, iniciou-se o processo de migração das mulheres que possuíam vínculo íntimo, familiar ou político com os acusados de traição à pátria, conforme relatos de Madame Lassare:

Dolorosa sorpreza me aguardava, ao encontrar-me alli com uma porção de senhoras da melhor sociedade da capital atiradas, como eu, nos confins do paiz!  

A todas perguntei o que faziam naquelles desertos, que crime haviam commettido para merecer tão cruel provação, responderam que tinham sido destinadas para Ihú, que seus esposos, paise irmãos haviam desapparecido, seus bens confiscados ou arrancados sob diversos pretextos. (LASSARE, 1893, p. 47, SIC)

As denominadas “destinadas” eram encaminhadas sob escolta de soldados paraguaios pela cordilheira central que cortava o país em toda a sua extensão, de modo a castigá-las com a fome e o esforço físico extremo causado pelas caminhadas extensas. Foram encaminhadas para a localidade de Ihú para, posteriormente, serem concentradas em Espadín, onde sofriam das mais diversas ameaças, ataques e saques por parte dos soldados e espiões paraguaios, de modo a aumentar o sofrimento e a escassez do acampamento, conforme relatos:

Os espiões iam e vinham: invadiam as casas, roubavam mel e viveres em umas, em outras pediam com instância roupa, comida ou qualquer outra cousa que lhe apetecia e que ninguém tinha coragem de negar com receio de ser violentada; diariamente carneavam vaccas de particulares depois de extinguirem o pouco gado das destinadas.  

Por fim, em 19 de setembro, levaram todos os animaes que encontraram no districto. Dir-se-hia que os seqnazes de Lopez procuravam por todos os meios inutilisar tudo, extinguir mesmo os poucos recursos que ainda existia na villa que nos garantia a subsistência e assim tornar mais breve o nosso martyrio. (LASSARE, 1893, p. 59-60, SIC)

Na madrugada de 24 de dezembro de 1869, circulou na localidade a notícia de que tropas brasileiras haviam chegado ao alto da serra para resgatar as destinadas. Mesmo desconfiadas de se tratar de uma emboscada de Solano López, as mulheres marcharam em direção ao local. Foi quando, em 25 de dezembro, encontraram com a expedição do tenente-coronel Antônio José de Moura, que as levaram aos postos avançados dos brasileiros.

Um fato curioso ao se pensar na relação de Madame Lassare com o Forte Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi, objeto de estudo do presente trabalho, foi que, enquanto tentavam uma de suas fugas do campo de concentração de Espadín, as destinadas se refugiaram “junto a um cerrado próximo ao passo do rio Igatemi” (LASSARRE, 1893).

Figura 21 – Localização da disputa de território durante a guerra do Paraguai

Fonte: Disponível em:  https://profclaudio.wordpress.com/2010/01/21/quaisascausasdaguerradoparaguai/ Acesso em 22 de maio de 2023

Figura 22 – Mapa município de Paranhos e localização do Forte

Fonte: Wikipedia. Disponível em:https://pt.wikipedia.org/wiki/Paranhos_%28Mato_Grosso_do_Sul%29. Acesso em: 25 de maio de 2023