O FORTE IGUATEMI

No contexto de disputa entre Espanha e Portugal e o acirramento ao Sul envolvendo a Colônia de Sacramento e as terras do Rio Grande, a construção do Forte de Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi é investido como ação estratégica levada a cabo por Morgado de Mateus, no intuito de ganhar tempo e conter o avanço dos castelhanos ao Sul.

Para tanto, era premente conhecer geograficamente a região, especialmente a hidrografia. Assim, Morgado de Mateus lança mão dos mapas elaborados antes de sua vinda, nas expedições para identificar as áreas menos conhecidas. Com o conhecimento da região, esperava uma situação oportuna para fazer marchar a Capitania armada, sendo umas das áreas visadas a do Iguatemi, na medida em que “desde o século XVII, as áreas dos Rios Jejui, Igurei e Iguatemi eram palmilhadas por paulistas, havendo constantes choques com os espanhóis”. (BERLLOTTO, 1979, p. 118).

O Tratado de Madrid em seus artigos 5 e 6 estabeleceu aí a fronteira entre Portugal e Espanha, onde todo o vale do Iguatemi fixaria o lado português, embora no momento da demarcação houvesse dúvidas na definição real do local. Em meados de 1766, foram criadas as primeiras expedições de avanço para o Oeste, região que passava por intenso conflito agravado pelo assassinato por afogamento do Governador do Paraguai no Rio Iguatemi. Morgado de Mateus, através de seus informantes infiltrados nos meios espanhóis, considerava a possibilidade de contar com a colaboração dos amotinados do Paraguai.

Segundo relatos em Documentos Interessantes, João Martins Barros foi o fundador do Iguatemi. Há de se destacar a presença do capitão João Alves Ferreira e do Brigadeiro José Custódio de Sá Faria, que lá foram cuidar da praça e fortificá-la. Dessa forma, inicia-se a constituição da empresa Iguatemi que seria um conjunto de ações para a sobrevivência por meio de aparatos de expedições, estratégias de avanço de combate aos castelhanos e demais atos inerentes ao propósito inicial de defesa do território fronteiriço no Brasil.

É possível questionar, a partir do pleno conhecimento de Morgado de Mateus sobre a instalação de sua praça nos Sertões do Ivaí, se todas as estratégias de instalar a Praça do Iguatemi já não vieram prontas de Portugal, quando de sua nomeação enquanto Governador da capitania de São Paulo, cuja planta deste forte já estaria antecipadamente planejada. O fato é que Morgado de Mateus demonstrava uma certa obsessão para cumprir a missão de defender- se dos Castelhanos pelo Rio Iguatemi, em detrimento das investidas contra os espanhóis no Sul, o que causaria um desapontamento da Corte, culminando no início de sua queda como Governador desta Capitania.

Outro fato é justamente em relação aos desenhos das plantas que definiam o projeto da Praça do Iguatemi, pois, José Custódio em 1774/1775 elabora uma planta diferente da anterior, talvez pela inviabilidade de construir um forte naquela região. (Fig. 30).

A falta de respostas da corte e também da praça do Iguatemi quanto aos próximos passos na atuação de Morgado de Mateus relacionavam-se à expectativa de notícias da Península Ibérica no tocante às relações de Portugal e Espanha, de modo que as relações aqui na América não interferissem nos interesses de paz entre os dois países.

Naturalmente os espanhóis não viram com bom grado a ocupação no Rio Iguatemi e logo os governos do Paraguai e de Buenos Aires se manifestaram contra essa ocupação ao Vice-rei no Rio de Janeiro, embasados no Tratado de Madri. No entanto, as tratativas foram muito amenas já que as relações entre Portugal e Espanha estavam em bom termo, apesar de Morgado de Mateus ter convicção da jurisdição Portuguesa na região. Certamente, somava-se à pressão espanhola a dificuldade da manutenção das pessoas e da estrutura do Forte em lugar tão ermo.

Além da deserção, ainda ameaçavam o bom andamento do presídio de Nossa Senhora dos Prazeres, os descontentamentos, dos quais participavam tanto soldados como povoadores, embora não chegassem propriamente em motins. As condições eram realmente árduas. A lavoura viu-se constantemente prejudicada pelas chuvas. As epidemias causavam muitas baixas. E havia, em meio a isso, os ânimos exaltados de alguns, que facilmente convenciam os mais revoltados. (BERLLOTTO, 1979, p. 146).

Muitas foram as investidas e preocupação em manter o Presídio do Iguatemi das dificuldades citadas. Uma das orientações dos Serviços Ultramarinos através do Secretário Martinho Mello e Castro diante das condições do Presídio, foi a de mandar José Custódio para relatar as reais condições do Iguatemi desde 1771, além de fortificar, treinar a tropa local para defesa e táticas de ataques e emboscadas, sendo esta averiguação feita apenas em 1774/1775, justamente quando este engenheiro faz o desenho da Planta do Iguatemi. Nos desenhos de José Custódio, pode-se constatar que realmente havia dentro dos muros da fortificação arruamentos e características de uma Vila: algumas ruas com edifícios como o quartel do Governador, Casa da Fazenda Real, Quartel das Tropas, Igreja, Câmara e Corpo de Guarda. Essas características arquitetônicas já definem os sistemas das fortificações modernas que estavam acontecendo na Europa e já assimiladas pelos engenheiros militares de Portugal com os baluartes e as vilas no interior. (Fig. 31)

No entanto, esta organização não foi suficiente para impedir as epidemias e a falta de abastecimento na Praça, tanto de atendimento médico como de alimentos, que refletiam no alto índices de mortes no período de 1769 a 1774.

Segundo o Diário das Navegações, onde estão os relatos de uma das expedições que partiu de Araritaguaba, hoje Porto Feliz em direção ao sítio do Iguatemi de 13 de abril de 1769 até seu regresso, o comandante Teotônio José Juzarte descreve de forma surpreendente a viagem e as condições de horrores das pragas, desconforto, fome e morte. Juzarte também produz um desenho do Forte. (Fig. 32).

Esta expedição, que demorou mais de dois meses para chegar ao destino determinado, era composta por mais de setecentas pessoas, compostas de homens, mulheres, rapazes, crianças e soldados, além de animais e mantimentos que nem sempre eram suficientes para todos.

Ao fim de 1772, a determinação da área central era que Morgado de Mateus renunciasse e abandonasse seus propósitos na Praça do Iguatemi e que a força militar da Capitania de São Paulo se juntasse às do Rio de Janeiro e de José Custódio para defender o Sul, contra a vontade de Morgado de Mateus que insistia da importância estratégica da Praça Iguatemi perante a corte. Assim, através do decreto de 9 de junho de 1774, a corte designou seu sucessor Martim Lopes Lobo de Saldanha, que foi muito crítico dos esforços de seu antecessor, oposição essa que teve reflexos em Iguatemi.

O fracasso dessa investida foi confirmado com a pressão da Coroa em abandonar a Praça do Iguatemi e a Fortificação foi invadida pelos castelhanos. A povoação foi incendiada e os espanhóis se retiraram em seguida. A artilharia capturada demonstrou a fragilidade da fortificação, incapaz de responder seu propósito de defesa territorial.

Foi também comprovado que o Forte de Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi, está localizado no Município de Paranhos-MS, a margem direita do Rio Iguatemi, no estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, território pertencente à Aldeia Indígena Ivykuarusu Takuaraty (Paraguassu). (Fig. 33).

Atualmente, por se localizar dentro de um território indígena reconhecido, não é permitido visitas nem levantamentos no entorno nem na estrutura remanescente do Forte Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi, o que impede que este seja explorado e estudado. Dentro de sua praça, situa-se uma escola municipal indígena, este, e qualquer outro uso atual para o Forte é de posse total Aldeia Paraguassu, mesmo que o Forte tenha sido tombado.

Figura 30 -: Demonstração do terreno imediato à Praça N.S. dos Prazeres do Rio Ygatemi.

Fonte: <https://drive.google.com/file/d/1LdwZ9pjtJEVcqp39mj1BiowUqMS- R1jv/view?usp=sharing>

Figura 31 – Plano em Borrão da vila interna do Forte

Fonte: JUZARTE, Plano em Borrão, 1769. p. 55

Figura 32 – Demonstração da Praça N.S. dos Prazeres do Rio Ygatemi.

Fonte: https://drive.google.com/file/d/12V4pn2Faaw8lOrpQWqyHiDqWRxDstc4S/view?usp=sharing

Figura 33 – Indicação cartográfica do local destinado a construção do Forte do Iguatemi

Fonte: https://drive.google.com/file/d/1LdwZ9pjtJEVcqp39mj1BiowUqMS- R1jv/view?usp=sharing